Ministro da Educação com raízes judaicas no governo Bolsonaro foi criticado pelo governo israelense e organizações judaicas por comparar batidas da Polícia Federal contra aliados à perseguição nazista contra judeus
Julio Severo
O ministro da
Educação do Brasil recebeu críticas do governo israelense e de organizações
judaicas nos EUA e no Brasil por comparar batidas da Polícia Federal contra
aliados do presidente Jair Bolsonaro a Kristallnacht — o início da perseguição
nazista contra judeus.
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Abraham Weintraub |
“Profanaram
nossos lares e estão nos sufocando. Sabem o que a grande imprensa oligarca/socialista
dirá? SIEG HEIL!” continuou o ministro em seu tuíte, acrescentando uma foto que
mostra o boicote às lojas judaicas na Alemanha em 1933.
Kristallnacht,
ou a Noite dos Cristais Quebrados, refere-se à perseguição nazista de 1938 que
marca o início do Holocausto.
Weintraub
nasceu de uma mãe católica e um pai judeu cujos membros da família foram mortos
em campos de concentração nazistas. Ele geralmente é confundido com judeu
devido ao seu nome, mas, de acordo com a Agência Telegráfica Judaica, ele não
se identifica como judeu.
Organizações
judaicas nos EUA e no Brasil criticaram duramente seus comentários.
“A comparação
é totalmente descabida e inoportuna, minimizando de forma inaceitável aqueles
terríveis acontecimentos, início da marcha nazista que culminou na morte de 6
milhões de judeus,” disse Fernando Lottenberg, presidente da Confederação
Israelita do Brasil, a organização judaica mais importante do Brasil.
“Basta! O uso
repetida da linguagem do Holocausto como arma política por parte de funcionários
do governo brasileiro é profundamente ofensivo aos judeus do mundo e um insulto
às vítimas e sobreviventes do terror nazista. Isso precisa parar imediatamente,”
tuitou o Comitê Judaico Americano, a organização judaica mais importante dos
EUA.
Embora o
governo Bolsonaro seja aliado de Israel, especialmente porque os evangélicos, a
base política mais importante de Bolsonaro, são apoiadores tradicionais de
Israel, o governo israelense também criticou a comparação de Weintraub.
O
cônsul-geral de Israel em São Paulo, Alon Lavi, disse:
“O
Holocausto, a maior tragédia da história moderna, onde 6 milhões de judeus,
homens, mulheres, idosos e crianças foram sistematicamente assassinados pela
barbárie nazista, é sem precedentes. Esse episódio jamais poderá ser comparado
com qualquer realidade política no mundo.”
Com o mesmo
tom crítico, a Embaixada de Israel no Brasil divulgou um comunicado:
Houve
um aumento da frequência de uso do Holocausto no discurso público, que de forma
não intencional banaliza sua memória e também a tragédia do povo judeu, que
terminou com o extermínio de 1/3 do nosso povo por ódio e ignorância dos
nazistas e seus colaboradores.
Em
nome da amizade forte entre nossos países, que cresce cada vez mais há 72 anos,
requisitamos que a questão do Holocausto como também o povo judeu ou judaísmo
fiquem à margem do diálogo político cotidiano e as disputas entre os lados no
jogo ideológico.
Essa é a
primeira vez que diplomatas de Israel criticaram de forma pública o governo
Bolsonaro. O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, viajou ao Brasil
para participar da posse do presidente brasileiro em 2019. Na época, Netanyahu
disse: “Não temos melhores amigos no mundo do que a comunidade evangélica,
e a comunidade evangélica não tem melhor amigo no mundo do que o Estado de
Israel.”
Em janeiro de
2020, o
secretário da Cultura Roberto Alvim, um adepto de Olavo de Carvalho, foi
demitido por imitar um discurso nazista. Na época, o embaixador de Israel
no Brasil, Yossi Shelley, falou diretamente com Bolsonaro para expressar a
preocupação de Israel com o discurso de Alvim, que havia publicado um vídeo no
qual ele fez uso de trechos de um discurso de Joseph Goebbles, ministro da
Propaganda na Alemanha de Hitler. Logo depois, Alvim foi demitido.
Houve também
outros conflitos entre grupos judeus e o governo Bolsonaro. Em abril de 2020, o
Comitê Judaico Americano exigiu um pedido de desculpas do chanceler Ernesto Araújo,
que comparou o isolamento social para conter o COVID-19 a campos de
concentração nazistas. Foi uma comparação descabida, pois até mesmo Israel usou
o isolamento social para conter o COVID-19.
Em março de
2019, Araújo
disse em entrevista que o nazismo era um movimento de esquerda. Os judeus dizem
que era um movimento de direita, e a opinião deles tem peso, pois eles foram as
maiores vítimas do nazismo e muitos deles eram esquerdistas. Em viagem a
Israel naquele mesmo mês, Bolsonaro apoiou a
opinião de Araújo, mas foi contestado pelo Museu do Holocausto em Jerusalem que
declarou que o nazismo era um movimento de direita.
A comparação
de Weintraub foi feita depois que em 27 de maio de 2020 a Polícia Federal usou
mandados de busca e apreensão contra vários aliados do presidente Bolsonaro
como parte de uma investigação sobre ameaças aos ministros do Suprema Tribunal
Federal e a disseminação de notícias falsas.
Os aliados
políticos foram dignos da comparação de Weintraub? As ações da Polícia Federal afetaram
vários indivíduos, inclusive Sara Winter, Allan dos Santos e Bernardo Kuster.
Sara Winter
tornou-se conhecida internacionalmente depois que LifeSiteNews, o mais
importante site pró-vida católico internacional, publicou uma reportagem em 2015
sobre ela, apresentando sua suposta conversão ao Catolicismo. A reportagem
disse:
Sara
Fernanda Giromini se tornou conhecida no Brasil e no mundo sob o pseudônimo “Sara
Winter” em 2012, quando se tornou membro fundadora da Femen Brasil, e liderou
um trio de moças em vários protestos topless que atraíram muita atenção da
mídia. No entanto, apenas três anos depois, a jovem ativista fez uma
reviravolta e declarou guerra ao feminismo e ao aborto, e está se desculpando
com os cristãos por seu comportamento ofensivo.
Ela continua
usando seu apelido, Sara Winter, que é a forma portuguesa de “Sarah Winter,”
uma apoiadora nazista britânica e membro da União Britânica de Fascistas.
Num vídeo de
27 de maio de 2020, Sara disse que desejaria “trocar soco” com um ministro do
Supremo Tribunal e afirmou que esse ministro “nunca mais vai ter paz na vida.”
Ela disse:
Você
me aguarde, senhor Alexandre de Moraes. Nunca mais vai ter paz na sua vida. A
gente vai infernizar sua vida, vamos descobrir os lugares que o senhor
frequenta, a gente vai descobrir quem são as empregadas domésticas que
trabalham para o senhor… A gente vai descobrir tudo da sua vida até o senhor
pedir para sair. Hoje o senhor tomou a pior decisão da sua vida.
Sara Winter é
lider do grupo autointitulado “300 do Brasil,” que acampou em frente ao STF. O
grupo, cujos membros vestem roupas camufladas parecidas com as roupas do
Exército e portam armas, já foi chamado de “milícia armada” pelo Ministério
Público do Distitro Federal e Territórios. Faz lembrar um grupo paramilitar.
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Sara Winter |
Sara
Winter gosta de publicar fotos segurando armas e diz nas redes sociais que “atira
muito bem.”
Ela dá várias
versões para os “300 do Brasil.” Ela diz que foi ideia de Olavo de Carvalho,
que é o guro dela. Ela também diz, talvez para agradar a grupos diferentes, que
o nome foi escolhido baseado nos “300 de Gideão,” do Antigo Testamento da
Bíblia. Ela também diz que foi baseado nos “300 de Esparta.”
Sara também
dá outras explicações para uma tatuagem em seu ombro de uma cruz de ferro,
símbolo germânico que se tornou popular durante o regime nazista e era a
principal condecoração nazista de guerra. Sara diz que a tatuagem era uma
homenagem aos “cavaleiros templários da idade média,” mas a pesquisadora alemã
Carina Book confirmou que é a cruz de ferro.
Sobre o acampamento
dos “300 do Brasil” em frente do STF, ela disse: “Quem me pediu pra fazer tudo
isso foi o professor Olavo.”
Não é de
estranhar então que em 28 de maio de 2020, Olavo pediu a pena de morte para o
ministro que pediu a ação da Polícia Federal contra Sara e outros. Mas se ele defende
a pena de morte para o ministro que busca tirar o direito de expressão de Sara,
então por que ele
é o maior negador da Inquisição no Brasil? A Inquisição tirava de suas
vítimas não somente seu direito de expressão, mas também suas propriedades e
vidas.
Em algumas
ocasiões Sara Winter declarou que recebeu treinamento na Ucrânia e que ela quer
“ucranizar” o Brasil, uma
postura difícil para os conservadores entenderem, pois a revolução ucraniana
foi em grande parte financiada por George Soros, o governo de Obama e os
neocons.
Nos
treinamentos promovidos por Sara para seu “300 do Brasil,” são proibidos fotos
e vídeos e exige-se roupa adequada para um treinamento físico de combate.
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Sara Winter com sua máscara de caveira, de acordo com o site jornalístico A Publica |
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Grupo neonazista Atomwaffen Division e suas máscaras de caveira |
O filme foi
produzido por Matheus Bazzo, que também produziu o documentário
sobre Olavo de Carvalho, “O Jardim das Aflições.”
No filme,
Sara conta que que já se prostituiu e ela aparece atirando e manipulando armas
de fogo.
Tal quadro parece
problemático para a imagem dos cristãos conservadores que lutam contra a agenda
de aborto e homossexualidade.
Entre os apoiadores
do “300 do Brasil” estão o jornalista do Terça Livre Allan dos Santos e o psiquiatra
Ítalo Marsilli, que declarou em um de seus vídeos que mulheres não deveriam votar
pois são fáceis de seduzir. Ele disse:
“Na
democracia grega, a única do mundo que funcionou, não estava previsto o voto
feminino. Quando o voto passa ser pleno, ou seja, mulheres e todo mundo pode
votar, a gente vê que tem uma crise na regência do Estado. É muito fácil você
convencer mulher de votar, é só você seduzi-la.”
Santos e Marsilli
são adeptos também de Olavo de Carvalho. Santos
foi um palestrante de destaque na CPAC Brasil em 2019, um evento que foi
realizado com impostos e usado para glorificar Olavo.
Quanto a
Bernardo Kuster, que junto com Sara e Santos foi também alvo da batida da Polícia
Federal, ele
abandonou a Igreja Evangélica para seguir o catolicismo sincrético de Carvalho.
Hoje Kuster promove a ideia
de que a Inquisição foi um tribunal de misericórdia — uma postura
fortemente contestada pelo governo de Israel e pelos judeus. Aliás, em 2013, em
visita ao Vaticano, Netanyahu deu ao Papa Francisco um exemplar de um volumoso
livro contra a Inquisição escrito por seu pai.
Na próxima
visita de Netanyahu ao Brasil, ele deveria dar um exemplar desse livro a cada
membro do governo Bolsonaro. Alguns deles, que seguem Carvalho, acreditam que a
Inquisição foi mentira, embora ela tenha também torturado e matado judeus no
Brasil.
O que impede
Olavo e seus adeptos, que fazem revisionismo
descarado da Inquisição, de um dia também fazerem revisionismo do
Holocausto? Afinal, as principais vítimas de ambos eram justamente os judeus.
É impossível
entender esse quadro caótico sem compreender que Olavo
de Carvalho, que tem um histórico ocultista, é membro da Escola Tradicionalista.
Recentemente, o escritor judeu americano Benjamin R. Teitelbaum lançou o livro
“War for Eternity” (Guerra pela Eternidade), publicado por HarperCollins, a maior
editora dos EUA. O livro faz um mapa da Escola Tradicionalista e seus
principais representantes em vários países. O
representante para o Brasil é Olavo. Teitelbaum apresenta a Escola Tradicionista
como uma seita ocultista.
Por sua
própria natureza, o ocultismo traz caos.
Apesar das
repreensões do governo de Israel e de organizações judaicas nos EUA e Brasil, o
ministro da Educação Abraham Weintraub não voltou atrás em sua comparação.
Aliás, ele a defendeu, em nome da liberdade de expressão. Ele disse em um tuíte de 28 de maio de 2020:
Não
falem em nome de todos os cristãos ou judeus do mundo. FALO POR MIM! Tive avós
católicos e avós sobreviventes dos campos de concentração nazistas (foto).
Todos eram brasileiros. TENHO DIREITO DE FALAR DO HOLOCAUSTO! Não preciso de
mais gente atentando contra MINHA LIBERDADE!
Sim, ele tem
direito de falar do Holocausto. Mas já que ele tem avós que sobreviveram ao
Holocausto, por que ele não condena os sinais de fascismo no movimento que ele
está apoiando?
Olavo de
Carvalho é
o maior defensor brasileiro da Inquisição, que torturou e matou milhares de
judeus. Os adeptos católicos de Carvalho apoiam e propagam a radical postura dele
de que a Inquisição foi mito e lenda.
Se Weintraub
sabe confrontar Israel e os judeus na sua postura teimosa de comparar o
Holocausto com as ações da Polícia Federal contra Sara Winters e outros adeptos
de Carvalho, por que ele não sabe ou não consegue confrontar Carvalho sobre a
Inquisição? Por que ele não sabe confrontar os sinais de fascismo e ocultismo
em Carvalho e seus adeptos?
Por exemplo, o
ministro das Relações Exteriores abertamente louva Olavo de Carvalho, René
Guénon e Julius Evola. Guénon é o mestre islâmico ocultista seguido pelos
membros da Escola Tradicionalista, cujo membro mais proeminente foi Evola, guru
do ditador fascista italiano Benito Mussolini. Evola
era radicalmente contra o marxismo e escreveu livros defendendo a ideologia
direitista, o ocultismo e a magia negra.
Por que
Weintraub não questiona e confronta isso?
E com relação
à sua defesa da liberdade de expressão, essa defesa é total ou limitada? Em 2019,
usando mentiras e difamações, Olavo
de Carvalho, considerado o Rasputin de Bolsonaro, apelou para que a Polícia
Federal me investigasse, num desejo descarado de ver a máquina estatal
silenciando minha voz e meus artigos evangélicos contra o ocultismo e a
Inquisição. Você pode conferir tudo aqui: http://bit.ly/2RTonDx
Na época, Weintraub
nada disse contra o desejo ditatorial de Olavo de me censurar.
Mas hoje Weintraub,
confrontando Israel e grupos judaicos, fala contra a Polícia Federal agindo
contra uma ativista de apelido nazista treinada na Ucrânia por grupos
financiados por George Soros.
Weintraub
também defendeu o canal Terça Livre, que defende a Inquisição e já me atacou,
xingou e difamou. Confira aqui: http://bit.ly/2eCxaG7
A liberdade
de expressão que Weintraub defende é para todos ou somente para quem usa apelidos
nazistas e para quem xinga e difama?
Como ficaria
um escritor evangélico nessa defesa? Não sei, pois quando Olavo apelou para a
Polícia Federal contra mim, não vi Weintraub defendendo liberdade de expressão.
Mas o irmão dele, o Arthur Weintraub, que também tem cargo importante no
governo Bolsonaro, ao se deparar com um tuíte meu criticando Olavo, me bloqueou
no Twitter.
Para eles,
até Israel pode ser confrontado. Mas criticar Olavo, o defensor da Inquisição,
é inaceitável.
Certamente,
não concordo com as posturas do STF sobre aborto e homossexualismo. Aliás, a
chamada “homofobia” foi criminalizada em 2019 depois que o STF decidiu em favor
de uma organização homossexualista que apresentou queixa contra mim no
Ministério Público Federal anos atrás.
Weintraub
busca defender contra o STF Sara e outros na pura lógica de liberdade de expressão,
mas o comportamento do grupo de Sara andar armado e seu uso de símbolos tão
ligados ao fascismo não seriam sinais de alerta suficientes de que suas ameaças
podem acabar se tornando violentas?
Há três fases
na história de Sara nos últimos dez anos. Ela estava ligada ao FEMEN no início
da década de 2010. Em meados dessa década, ela já estava aparentemente mudada,
se tornando uma personalidade católica pró-vida em LifeSiteNews. E há a Sara
mais recente, que está ligada a Olavo e treinando um grupo que tem
características paramilitares. Essa é uma Sara que usa uma máscara fascista,
xinga, usa armas e ameaça ministros do STF.
Como é que
Weintraub não confronta isso, mas confronta o governo de Israel e organizações
judaicas? Como é que ele encara isso só como mera opinião, não como sinais de
perigo?
Com
informações de Jewish Telegraphic Agency, Notícias R7, Istoé, Yahoo, CONIB, Correio
Braziliense, Estado de Minas, A Publica, BBC, LifeSiteNews, Revista Forum e UOL.
Versão em inglês deste artigo: Brazilian
education minister with Jewish roots in the Bolsonaro administration was
criticized by the Israeli government and Jewish groups for comparing police
investigation raids against allies to Nazi persecution against Jews
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