Gogue, Magogue, Rússia, uma novela neocon e um teólogo neocon
Julio Severo
A profecia bíblica
é, nas mãos de escritores habilidosos, uma arte que pode trazer orientação
espiritual ou desastre, quando utilizada de forma errada. Quando o presidente americano
George W. Bush decidiu lançar a Guerra do Iraque, famosos pregadores de
profecia bíblica disseram que tal guerra era necessária para proteger Israel.
Eu me uni a eles, pois a proteção de Israel tem um lugar especial no meu
coração.
Entretanto,
nenhum desses mestres de profecia teve alguma profecia ou revelação das
consequências da Guerra do Iraque: a matança da comunidade cristã iraquiana.
Antes da guerra de Bush, a população cristã no Iraque era mais de 2 milhões.
Depois da guerra, menos de 400 mil.
O Presidente
Donald Trump expressou em 2016 que ele estava contra essa guerra e ele disse
que Bush mentiu. Em troca, hoje Bush e toda a sua família são contra Trump.
Então como é
que uma guerra, apoiada por pregadores de profecia bíblica, supostamente para
proteger Israel pode trazer em suas consequências tanta matança e destruição
para cristãos desprotegidos e indefesos no Iraque? Os pregadores de profecia
bíblica foram irresponsáveis em suas profecias, mas ninguém lhes fez prestar
contas por sua interpretação má da Bíblia.
Na década de
1970, houve uma proliferação de profecias e muitas delas colocavam os EUA numa
posição privilegiada, e seus inimigos políticos ficavam com papéis bíblicos
negativos. Esse padrão continua.
Numa
reportagem do ChristianPost de 22 de abril de 2018 (que está parcialmente disponível no GospelPrime), o autor cristão Joel Rosenberg falou sobre “Gogue e
Magogue” dizendo que essa profecia em Ezequiel estava avisando da Rússia. Ele
disse que a Rússia formará uma aliança com a Turquia e atacará Israel.
“O futuro
líder maligno da Rússia vai formar uma aliança com o Irã, Turquia e alguns
países hostis para virem, cercarem e atacarem Israel nos últimos dias,” ele
disse, acrescentando que esses acontecimentos podem ainda estar a centenas de
anos no futuro. Mas seus seguidores estão levando isso a sério aqui e agora.
A opinião de
Rosenberg está em sua novela mais recente “The Kremlin Conspiracy” (A Conspiração
do Kremlin), que é uma ficção.
Independente
das interpretações do futuro dos EUA e da Rússia, Trump, que em 2016 queria uma
parceria com a Rússia contra o terrorismo islâmico, era um político muito bom,
ainda que Rosenberg o visse como “catastrófico.” E Putin é um político muito
bom em seu exemplo de luta contra a agenda gay e contra o ISIS.
O contexto
inconveniente que não é ficção na profecia fictícia na novela de Rosenberg é
que a Turquia tem uma aliança real — com os EUA e a OTAN.
O que não é
ficção são as tendências neocons nas opiniões dele. Por exemplo, Rosenberg disse: “Vladimir Putin é mais perigoso para os Estados Unidos e nosso modo de
vida do que o islamismo radical.” Essa é a opinião exata dos neocons. Em 2016 George Soros publicou um artigo intitulado “Putin é uma ameaça maior à
existência da Europa do que o ISIS.” Enquanto Soros é um judeu-americano
esquerdista neocon, Rosenberg é um judeu-americano cristão neocon. Diferentes,
mas de mentalidade igual.
Então a
novela de Rosenberg é essencialmente neocon. Foi publicada em 2018 por Tyndale
House Publishers, uma editora evangélica proeminente. A ideologia
neoconservadora (neocon), com algum adorno teológico, está ficando normal entre
evangélicos americanos.
Não só acerca
de Putin Rosenberg tem sentimentos “proféticos” negativos. Ele disse em 2016
que Trump seria catástrofe absoluta como presidente. Não diferente dos neocons.
Em 2016, na revista Commentary, o historiador neocon Max Boot
escreveu, um tanto quanto
exagerado, que Trump é “a ameaça número 1 para a segurança dos EUA” — maior do
que o Estado Islâmico ou a China.
Então, na
visão neocon, tanto Putin quanto Trump em 2016 eram um ameaça maior do que o
ISIS!
Em contraste,
Franklin Graham, que é o filho do evangelista Billy Graham, disse no ano passado: “Os meios de comunicação e os inimigos do presidente
Trump estão tentando causar problemas e divisões entre Rússia e Estados Unidos.
Os EUA precisam da Rússia como aliada na luta contra o terrorismo islâmico.
Junte-se a mim e oremos pelo presidente Trump e pelo presidente Vladimir
Putin.”
Não só os
meios de comunicação, rotulados apropriadamente por Trump como Mídia de
Notícias Falsas, mas pregadores de profecia bíblica irresponsáveis se uniram aos
neocons para causar tais problemas e divisões.
Logo que
Trump abandonou seus discursos de 2016 de parceria com a Rússia contra o
terrorismo islâmico, os neocons e Joel Rosenberg reverteram curso e pararam de
criticá-lo. Agora que Trump tem continuado a política neocon tradicional de
parceria com o islamismo contra a Rússia, Lindsey Graham, John McCain e
Rosenberg estão satisfeitos.
Enquanto
Rosenberg usa seus sentimentos neocons para interpretar a profecia bíblica,
escrevendo novelas e ficções que são tratadas como realidade e não ficção,
realidade é realidade. Os Estados Unidos, a maior nação protestante do mundo,
tratam a Arábia Saudita como amiga, enquanto a ditadura saudita persegue
cristãos.
É
uma afronta imensa a Turquia prender um pastor evangélico da nação que lidera a
OTAN, pois a presença da Turquia na OTAN foi um privilégio exclusivamente — e
imerecidamente — concedido pelos Estados Unidos. A Turquia é radicalmente
islâmica e seus valores são contrários, em religião e história, aos valores
cristãos da Europa e Estados Unidos. Não existe nenhuma justificativa para a
Turquia ser membro da OTAN e aliada dos EUA.
Entretanto,
não é só o ataque da Turquia a um pastor inocente que prova que a Turquia não
merece ser aliada de nações cristãs.
No
mês passado, Erdogan disse que Israel é “um Estado terrorista” e que o
primeiro-ministro Benjamin Netanyahu é “um terrorista” por causa de esforços
defensivos de Israel contra os terroristas palestinos. A Turquia tem financiado
e armado o Hamas contra Israel e, com a Arábia Saudita, tem financiado e armado
grupos terroristas islâmicos, inclusive o ISIS, contra o governo sírio. Isso é
terrorismo real. Como é que a Turquia islâmica pode hipocritamente acusar
Israel de terrorismo?
Por
essas razões óbvias, a Turquia representa preocupações para os cristãos, que
olham também para fatos históricos com relação à violência da Turquia contra
cristãos e judeus.
Hagia
Sophia, a maior e mais antiga catedral cristã do mundo, foi conquistada pelos
muçulmanos em 1453 em Constantinopla, o nome cristão da atual cidade islâmica
de Istambul, Turquia. Uma civilização cristã foi destruída por invasores
islâmicos que transformaram a terra cristã — a terra das sete igrejas do
Apocalipse — na Turquia.
Não
só uma terra tradicionalmente cristã foi conquistada, mas também a terra de
Israel.
De
1517 a 1917, a Turquia — que era então o Império Otomano — conquistou e possuiu
a Terra Prometida. Isto é, durante quatro séculos a terra de Israel esteve sob
controle islâmico. Então quando a Bíblia fala de Gogue e Magogue vindo do Norte
e conquistando Israel, isso era a Turquia, que está no Norte de Israel, e
possuiu a terra de Israel por séculos.
Aliás,
acadêmicos judeus e cristãos apontaram para a Turquia como Gogue e Magogue,
conforme o escritor evangélico Joel Richardson mostrou:
Hipólito de Roma (170–235), um teólogo cristão primitivo, em suas
crônicas, conectou Magogue com os gálatas na Ásia Menor, ou Turquia moderna.
Moisés Ben Maimônides (também conhecido como Rambam) (1135–1204), o
reverenciado mito judeu, em Hichot Terumot, identificava Magogue como estando
na fronteira da Síria e moderna Turquia.
Nicolau de Lira (1270–1349), um estudioso hebreu e renomado exegeta
bíblico, cria que Gogue era outro título do Anticristo. Lira também afirmou que
a religião dos “turcos,” um termo usado para se referir aos muçulmanos em
geral, era a religião do Anticristo.
Martinho Lutero (1483–1546) compreendia que Gogue era uma referência
aos turcos, os quais Deus havia enviado como flagelo para castigar os cristãos.
Sir
Walter Raleigh (1554–1618), em sua
História do Mundo, também colocava Magogue na Ásia Menor, ou Turquia moderna.
John Wesley (1703–1755), em suas Notas Explicativas sobre
Ezequiel 38 e 39, identificava as hordas de Gogue e Magogue com “as forças do
Anticristo” que viriam da região da moderna Turquia.
Jonathan Edwards (1703–1758), um dos mais renomados teólogos da
história americana, também via a Turquia moderna como a nação que traria a
invasão de Gogue e Magogue.
Os
neocons têm suas razões geopolíticas para tratar a Rússia, não as ditaduras
islâmicas da Turquia e Arábia Saudita, como o inimigo número 1. Mas por que
Joel Rosenberg escolheu interpretar as profecias bíblicas de um jeito que se
encaixa na geopolítica neocon? Por que ele recebeu assistência fundamental do
neocon Lindsey Graham para produzir um livro contra a Rússia?
Por
que os Estados Unidos alistaram o verdadeiro Gogue e Magogue — que trata um
pastor evangélico e Israel como “terroristas” e que matou 1,5 milhão de
cristãos armênios — como membro da OTAN e seu aliado? Para vir do Norte e conquistar
Israel de novo? Para vir do Norte e conquistar cristãos e tratá-los como
“terroristas” de novo? Para matar cristãos, como no Genocídio Armênio e na
Síria por meio de grupos terroristas islâmicos?
A Turquia tem
um perfil profético que não só se encaixa em Gogue e Magogue, mas também como
uma grande ameaça aos cristãos e Israel nos últimos dias.
Minha
pergunta é: Por que os evangélicos americanos estão deixando neocons
protestantes como Rosenberg guiá-los no plano geopolítico e belicista maior de
neocons não-cristãos?
Todos os
neocons, inclusive Rosenberg, achavam em 2016 que Trump seria catastrófico. É
claro que ele seria catastrófico: só para os neocons e suas ambições belicistas
e profecias bíblicas manipuladas.
Os EUA
precisam desesperadamente de um presidente catastrófico para os neocons.
Com informações do WorldNetDaily.
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