Igrejas na Turquia à Beira da Extinção
Uzay
Bulut
Enquanto cristãos ortodoxos orientais comemoravam
recentemente a Semana Santa, uma igreja de valor histórico inestimável em
Istambul, a outrora magnífica cidade cristã de Constantinopla, está
testemunhando mais um abuso nas mãos das autoridades ora no poder.
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Hagia Sophia, outrora a maior catedral cristã do mundo, vem sendo usada e abusada por muçulmanos na Turquia há cinco séculos |
Muito embora os cristãos sejam uma pequena minoria na
Turquia de hoje, o cristianismo tem uma longa história na Ásia Menor, terra
natal de diversos apóstolos e santos cristãos, inclusive Paulo de Tarso,
Timóteo, Nicolau de Mira (Lícia) e Policarpo de Esmirna.
Todos os sete primeiros Concílios Ecumênicos foram
celebrados no que é a Turquia de hoje. Dois dos cinco centros (Patriarcados) da
antiga Pentarquia, Constantinopla (Istambul) e Antioquia (Antakya), também
estão localizados na Turquia. Antioquia foi o lugar em que pela primeira vez os
seguidores de Jesus foram chamados de "cristãos".
A Turquia também é a terra natal das Sete Igrejas da
Ásia, para onde foram enviadas as Revelações de João. Nos séculos seguintes
inúmeras igrejas foram construídas naquela região.
Uma delas, a Hagia Sophia já foi a maior catedral do
mundo cristão, até a queda de Constantinopla nas mãos dos otomanos em 29 de
maio de 1453, seguida por três dias de saques desenfreados.[1]
Hagia Sophia não foi poupada. Os saqueadores invadiram
a Hagia Sophia destruindo os portões. Sitiados dentro da igreja, congregados e
refugiados se tornaram espólio a ser dividido entre os invasores otomanos.
O historiador Steven Runciman relata em The Fall of
Constantinople (A Queda de Constantinopla), 1453:
"eles massacraram qualquer um
que estivesse nas ruas, homens, mulheres e crianças sem distinção. O sangue
jorrava como em rios ruas abaixo das alturas de Petra ao Chifre de Ouro.
Rapidamente a ânsia pelo morticínio foi se acalmando. Os soldados logo
perceberam que cativos e peças preciosas lhes trariam grande lucro".[2]
Após a queda da cidade, a Igreja Hagia Sophia foi
transformada em mesquita.
Uma mesquita com o nome de Hagia Sophia (em grego Ἁγία Σοφία,
"Sabedoria Sagrada") é permitido desde que a igreja esteja sob o
controle de uma teocracia islâmica. É como se houvesse uma mesquita chamada
"A Mesquita Armênia da Cruz Sagrada".
Nos anos 1930, o governo turco a transformou em um
museu. Agora, transformá-la em um museu não denota um verdadeiro estado
democrático. Uma das características em comum entre o Império Otomano e a
Turquia moderna parece ser a intolerância às igrejas.
Em 2013 o vice-primeiro-ministro da Turquia Bulent
Arinc, expressou
seu desejo de ver o Museu Hagia Sophia ser usado como mesquita, até referindo-se
a ele como "Mesquita Hagia Sophia".
"A Turquia não está transformando igrejas em
mesquitas porque há uma carência de mesquitas ou porque a Turquia não dispõe de
recursos para construí-las", segundo Constantine
Tzanos. "A mensagem transmitida por aqueles na Turquia que
materializaram a conversão de igrejas cristãs em mesquitas e que preconizam a
conversão da Hagia Sofia é a de que a Turquia é um país islâmico e não é
tolerada nenhuma outra religião".
Em novembro de 2014, o Papa Francisco foi o quarto
Papa a visitar a Turquia. O porta-voz do ministério das relações exteriores da
Turquia Tanju
Bilgic disse aos repórteres que durante a visita, a questão de uma
"aliança de civilizações, diálogo de culturas, xenofobia, a luta contra o
racismo e desenvolvimento político na região" fazem parte de agenda do
Papa.
A agenda do Papa Francisco devia na realidade incluir
as igrejas da Turquia que foram destruídas, danificadas ou convertidas em
muitas coisas, inclusive estábulos, como a histórica Igreja Armênia Gregoriana
na província de Izmir (Esmirna). "Há cidadãos que colocam suas vacas e
cavalos dentro da igreja, ao mesmo tempo que os vizinhos reclamam que a igreja
se transformou em antro de viciados e alcoólatras", de
acordo com o jornal Milliyet.
Outra vítima da intolerância de igrejas na Turquia, a
Igreja Bizantina Agios Theodoros em Istambul, foi primeiro convertida em
mesquita durante o governo do Sultão Otomano Mehmed II, recebeu o nome em
homenagem a Mollah Gurani, o quarto Sheikh-ul-Islam (a autoridade que governava
os assuntos religiosos dos muçulmanos no Império Otomano).
Foi reportado
em março de 2014 que a entrada da ex-mesquita/igreja se transformou em uma
"casa" e o andar superior em um "apartamento". Uma cabana
foi construída em seu jardim. O quarto do padre é agora o banheiro.
Séculos depois, os hábitos dos turcos otomanos, ao que
tudo indica, não mudaram.
Hoje a Turquia conta com uma percentagem menor de
cristãos em relação a sua população do que a de qualquer um de seus vizinhos,
menos que na Síria, Iraque ou Irã. A maior causa disso foram os massacres ou
genocídios assírios, armênios
e gregos ocorridos entre 1915 e 1923.
Pelo menos 2,5 milhões de cristãos nativos da Ásia
Menor foram mortos, abertamente massacrados ou vítimas de deportações, trabalho
escravo ou marchas da morte. Muitos deles morriam em campos de concentração, de
doenças ou inanição.
Muitos gregos que sobreviveram ao massacre foram
expulsos de suas casas na Ásia Menor em 1923, quando da troca forçada da
população entre a Turquia e a Grécia.
A devastação física foi seguida pela devastação
cultural. Do começo ao fim da história da república turca, inúmeras igrejas e
escolas cristãs foram destruídas ou transformadas em mesquitas, depósitos e
estábulos, entre outras coisas.
O colunista Raffi Bedrosyan relata
no Armenian Weekly que
"sobraram somente 34 igrejas e
18 escolas hoje na Turquia, a maioria em Istambul, com menos de 3.000
estudantes nessas escolas".
"Estudos recentes estimam que
havia cerca de 2.300 igrejas armênias na Turquia antes de 1915. O número de
escolas antes de 1915 é estimado em aproximadamente 700 com 82.000 estudantes.
Esses números valem apenas para igrejas e escolas sob jurisdição do Patriarcado
Armênio de Istambul e da Igreja Apostólica e, portanto não incluem as inúmeras
igrejas e escolas pertencentes às paróquias armênias católicas e
protestantes".
Walter Flick, estudioso da International Society for
Human Rights na Alemanha, afirma
que a minoria cristã na Turquia não usufrui dos mesmos direitos que
a maioria muçulmana.
"A Turquia tem aproximadamente 80 milhões de
habitantes", segundo ele. "Há apenas cerca de 120.000 cristãos, ou
seja, menos de um por cento da população. Os cristãos, sem a menor sombra de
dúvida, são vistos como cidadãos de segunda classe. O cidadão de verdade é
muçulmano e os que não são muçulmanos são vistos com suspeita".
De acordo com um levantamento de 2014, 89% da
população turca disseram que o que define uma nação é fazer parte de uma
determinada religião. Entre os 38 países que responderam à pergunta, se fazer
parte de uma religião específica (Islã) é importante na definição do conceito
de uma nação, a Turquia com 89% da população concordando, ficou em primeiro lugar
no mundo. [3]
"De certa maneira a política de Ancara contra os
cidadãos cristãos da Turquia acrescentou um viés moderno e uma crueldade
sofisticada às normas e práticas otomanas", explica
a cientista política Dra. Elizabeth H. Prodromou e o historiador Dr. Alexandros
K. Kyrou. "Nas palavras de um hierarca anônimo da igreja na Turquia,
temeroso pela vida de seu rebanho, os cristãos na Turquia são uma espécie
ameaçada de extinção".
Em 4 abril de 1949, os signatários da Organização do
Tratado do Atlântico Norte (OTAN) em Washington D.C. anunciaram:
"As Partes desse Tratado reafirmam sua fé nos propósitos e princípios da
Carta das Nações Unidas e no desejo de viver em paz com todos os povos e todos
os governos. Elas estão determinadas a salvaguardar a liberdade, civilização e
herança comum de seus povos, fundamentados nos princípios da democracia,
liberdade individual e estado de direito. Elas procuram promover estabilidade e
bem-estar no âmbito do Atlântico Norte. Elas são resolutas quanto à união de
seus esforços quanto à defesa coletiva e à preservação da paz e
segurança".
Fazer parte da União Européia e da OTAN requer
respeitar os valores humanistas, judaicos, cristãos, helenistas e seculares que
caracterizam a civilização ocidental e vêm contribuindo para os direitos civis,
democracia, filosofia e ciência, dos quais todos podem se beneficiar.
Lamentavelmente a Turquia, membro da OTAN desde 1952 e
ao que consta, candidata a membro da União Européia, logrou, quase que por
completo, destruir toda a herança cultural cristã da Ásia Menor.
Tudo isso lembra o que o EIIS e demais exércitos
jihadistas vêm fazendo no Oriente Médio. Na Turquia a população cristã
remanescente, netos dos sobreviventes do genocídio, ainda estão expostos à
discriminação. Os velhos hábitos dos turcos otomanos parecem não morrer.
Uzay Bulut, muçulmana de nascença, é uma
jornalista turca estabelecida em Ancara.
Notas:
[1] Runciman, Steven (1965). The Fall of Constantinople, 1453. Cambridge:
Cambridge University Press.
[3] Em 2014, o Professor Ersin Kalaycioglu da Universidade de Sabanci e o
Professor Ali Carkoglu da
Universidade de Koc conduziram
a pesquisa "Nacionalismo na Turquia e no mundo", baseada
nas entrevistas de cidadãos turcos com idade acima de 18 anos em 64 cidades por
toda a Turquia. "De modo que de acordo com os cidadãos (turcos) nas ruas,
turco é aquele que é muçulmano", segundo
o Prof. Carkoglu.
Fonte:
Instituto
Gatestone
Divulgação:
www.juliosevero.com
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