Marina pode ser
elo dos cristãos com o movimento gay. Com ela, cristãos e ativistas gays
estreitarão relações e estabelecerão consensos, diz militante homossexual que é
candidato do PT
Presidente
licenciado da Associação dos Homossexuais do Acre, Germano Marino, 35 anos, é
pai de santo na periferia de Rio Branco (AC) e candidato a deputado estadual
pelo PT.
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Germano Marino: pai-de-santo, militante homossexual e candidato do PT |
Apesar de características que um
evangélico supostamente abominaria, trabalhou durante quatro anos e nove meses
no gabinete da ex-senadora acreana Marina Silva, candidata à Presidência pelo
PSB.
Em 2007, ganhou um prêmio de
direitos humanos do Grupo Arco-Íris como o melhor militante da causa gay no
Brasil.
Marino conta que Marina jamais o
discriminou por causa de sexualidade.
-
Sou homossexual assumido desde os meus 14 anos de idade. Sou de religião de
matriz africana, de candomblé, atualmente sou babalorixá, desde 2005, pai de
santo, e tenho uma casa de santo aberta. Sendo evangélica, a Marina tinha os
pastores que frequentavam o escritório dela e a gente convivia perfeitamente.
Marina era aquele divisor que podia fazer com que houvesse diálogo e
confraternização, sem haver o “diferente”.
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Campanha eleitoral de ativista gay German Marino |
Por causa da militância, no final
de junho o muro da casa de Marino foi pichada com frases homofóbicas: ‘Vamos
matar os gays' e 'Deus abomina os gays’.
- A Marina pode ser elo dos
religiosos com o movimento gay. Nós podemos estreitar as nossas relações e
estabelecer consensos.
O militante do movimento LBGT disse
que a candidata Marina Silva tem sido alvo de campanha difamatória nas redes
sociais desde que foi candidata à Presidência em 2010.
- É uma campanha sórdida feita por
gente que realmente não conhece a Marina minimamente. Até parece que as pessoas
não podem ter religião. Da mesma forma como sou do candomblé, a Marina é
da Assembleia de Deus.
O candidato a deputado estadual
petista nega voto à candidata Dilma Rousseff.
- Vou votar na Marina. Não tenho
receio de declarar isso. Sou filiado ao PT desde o ano 2000. Quando Marina foi
candidata, em 2010, minha casa foi uma “Casa de Marina”. O PT nunca me proibiu.
Ninguém nunca me questionou por isso e não será agora que isso vai
acontecer. Vou votar na Marina porque é muito difícil pedir para um
acreano não votar nela quando temos a possibilidade real de tê-la na
Presidência. Isso para mim extrapola a questão partidária.
Entrevista
Como
você foi levado a trabalhar com a então senadora Marina Silva?
Eu
era empregado doméstico e fazia um mês que tinha saído da casa de minha patroa,
onde trabalhei e morei durante três anos. À época, fui chamado pela Yara
Marques, assessora do então deputado estadual Ronald Polanco, do PT, atualmente
conselheiro do Tribunal de Contas do Acre. Yara estava envolvida na campanha do
Irailton Lima, que foi assessor da Marina. Trabalhei durante nove meses na
campanha, me empenhei ao máximo, e a Marina decidiu me chamar para trabalhar
com ela. Era um campanha feita na garra. Eu passei do ambiente de empregado
doméstico para o universo da política. Não sou filho de nenhuma família tradicional.
Minha família é pobre, meu pai é metalúrgico, de Minas Gerais, e minha mãe
acreana. Nenhum dos dois nunca teve qualquer vínculo político. Somos muito
pobres no aspecto financeiro e eu sou o irmão mais velho de seis filhos.
Ela
já era evangélica?
Sim, já era da
Assembléia de Deus. Trabalhei durante quatro anos e nove meses com ela e tive,
digamos, um contato bem íntimo de participação do mandato naquele período. Frequentava a casa do
seu Pedro, pai da Marina, das irmãs e da casa dela em Rio Branco.
Como
ela lidava com o fato de você ser homossexual?
Em nenhum momento
Marina me discriminou por causa da minha sexualidade. Sou homossexual assumido
desde os meus 14 anos de idade. Sou de religião de matriz africana, de
candomblé, atualmente sou babalorixá, desde 2005, pai-de-santo, e tenho uma
casa de santo aberta. Sendo evangélica, a Marina tinha os pastores que
frequentavam o escritório dela e a gente convivia perfeitamente. Marina era
aquele divisor que podia fazer com que houvesse diálogo e confraternização, sem
haver o “diferente”.
Em
algum momento Marina tentou a sua conversão ou tentou convencê-lo a deixar de
ser homossexual?
Nunca houve isso. A
Marina nunca tentou me forçar, nunca conversou, nunca teve nenhum tipo de
situação dessa natureza, pois nunca houve tentativa de exclusão de minha
presença. Nunca teve um momento de chamado dessa natureza ou de persuasão para
que eu professasse a fé dela ou para que eu deixasse de ser homossexual.
Alguma
situação inusitada?
Sim.
O Marcio Bittar, que atualmente concorre ao governo, quando foi candidato a
deputado estadual, Wânia Pinheiro, da assessoria dele, decidiu realizar um
evento para atrair a simpatia dos homossexuais. Fui chamado para ser o
apresentador, vestido de drag queen. Eu estava no auge da campanha da reeleição
da senadora Marina Silva. Falei com a senadora, expus o problema e perguntei se
poderia ir ao evento do candidato de um partido adversário. Ela respondeu:
“Germano, eu não sou dona da sua vida. Se você vai ou não, se vai se vestido ou
não de drag queen, é você quem decide. Não tenho que lhe dizer se deve ir ou
não. Você é que tem que pensar e decidir o que é melhor para você”. Achei
aquilo impressionante e eu fui ao evento sabendo que não teria nenhum
problemas, mas eu era da assessoria dela.
Dizem
que ela é fundamentalista, intolerante com às causas do movimento LGBT…
Na
trajetória dela como vereadora, deputada estadual e nos 16 anos como
senadora, Marina não propôs nem incitou projeto de lei que fosse contra
as questões da causa gay, das religiões de matriz africana. Ela sempre soube
separar o que é de foro íntimo do que é de foro coletivo. Jamais discriminou
qualquer pessoa por ser gay ou por não pertencer à religião dela. Isso não é do
perfil dela. Tem um texto bonito, de autoria da Marina, intitulado “A cor
púrpura”, onde ela fala da sexualidade, de homossexuais, e conta que sempre
teve amigos e amigas homossexuais e cita Caetano Veloso sobre ”a dor e a
delícia de ser o que é".
Como
explicar que ela não seja poupada de críticas por causa desse assunto?
O
que tem havido é uma campanha difamatória desde 2010, quando ela concorreu à
Presidência pela primeira vez. É uma campanha sórdida feita por gente que
realmente não conhece a Marina minimamente. Até parece que as pessoas não podem
ter religião. Da mesma forma como sou do candomblé, a Marina é da Assembleia de
Deus. O prefeito de Rio Banco, Marcus Alexandre, petista, também é evangélico,
mas nem por isso deixou de participar da solenidade de abertura da Semana da
Diversidade.
Em
algum momento a fé de Marina ajudou você?
Minha
mãe é alcoólatra. Uma vez eu estava passando por um problema por causa disso.
Falei pra Marina e ela perguntou se eu gostaria de conhecer o pastor dela. E
fui conhecer o pastor, em Brasília. Quem foi comigo à igreja foi o Fábio Vaz,
marido da Marina. O pastor dela tem o dom da palavra, faz profecias. Participei
do culto, o pastor foi muito aberto comigo. Foi uma pessoa amiga e me deu um
conselhos sábios. Quando voltei, ela perguntou como tinha sido e se tinha me
servido. Falei que gostei, que tinha sido muito bom para mim. Nem por isso, ela
me pediu para aderir à religião dela. Sei que muito amigos meus, militantes da
causa gay no Brasil, que estão participando de campanhas difamatórias contra
Marina, é por causa de seus laços partidários. A Marina pode ser elo entre os religiosos e o movimento gay. Nós
podemos estreitar as nossas relações e estabelecer consensos.
Marina
é sensível a isso?
Muito.
As pessoas pegam no pé porque disse que o casamento ela aceita pela união de
pessoas. O assembleliano nunca vai aceitar casamento de pessoas do mesmo sexo
nas igrejas deles, como o catolicismo não aceita. Cada um estabelece as suas
regras. Temos avanços mas não temos uma lei no Código Civil que possa fazer com
que pessoas do mesmo sexo possam casar. Temos uma decisão do CNJ, temos
projetos do governo federal, mas nós não temos uma lei que possa dar direitos
iguais aos homossexuais. E olha que a Dilma assumiu o governo com apoio da
maioria do Congresso. Por que as pessoas fazem essas exigências agora, que
Marina é candidata à Presidência, e não fazem em relação aos demais candidatos?
O movimento gay não foi tão exigente com Lula nem com Dilma. A Marina está
sofrendo preconceito porque é assumidamente religiosa da Assembleia de Deus, porque
é negra e porque é da região Norte do Brasil, do Acre. Ela já sofria isso
quando senadora e ministra do Meio Ambiente. Ela está acostumada a vencer esses
preconceitos e eu estou do lado dela para qualquer situação porque é muito ruim
você ver um pessoa sofrer tanto preconceito e ser tão estigmatizada.
Vai
votar em Dilma?
Vou votar na Marina.
Não tenho receio de declarar isso. Sou filiado ao PT desde o ano 2000. Quando Marina foi
candidata, em 2010, minha casa foi uma “Casa de Marina”. O PT nunca me proibiu.
Ninguém nunca me questionou por isso e não será agora que isso vai acontecer.
Vou votar na Marina porque é muito difícil pedir para um acreano não votar nela
quando temos a possibilidade real de tê-la na Presidência. Isso para mim
extrapola a questão partidária. Como vou pedir para um acreano não votar numa
mulher negra, que nasceu pobre, que foi alfabetizada aos 16 anos, que superou
doenças, e que pode ser a primeira mulher da Amazônia a receber a faixa
presidencial? Temos muitos acreanos que estão no mesmo patamar de onde a Marina
emergiu. Mas não é apenas porque sou acreano. Marina representa uma nova
concepção de se fazer a política. Quando se tem boa vontade de se fazer
mudança, todos os instrumentos e instituições mudam. Não adianta a gente ter um
país apenas desenvolvimentista se a gente não pensar com o coração. A Marina
sempre pregou a união de esforços, mas parece que tudo o que ela fez só está
sendo enxergado agora, como se fosse uma novidade. Ela sempre foi assim. O movimento gay tem que enxergar na Marina
um referencial de elo porque são os religiosos fundamentalistas que não deixam
passar leis capazes de beneficiar com direitos iguais a popuação LGBT no Brasil.
Todos nós temos o direito de ter uma religião. Ela é da Assembleia de Deus, eu
sou do candomblé, outros são kardecistas etc. Nós estamos num estado laico. Eu,
defensor das causas gays no Brasil, não vou discriminar Marina porque ela tem
religião. Temos que parar com hipocrisia porque isso não é ser militante dos
direitos humanos. A Marina não anda professando a fé dela. A Marina tem a fé
dela, o que é bem diferente do candidato Pastor Everaldo. Ela não se intitula
bispa ou pastora, apesar de tantos anos como religiosa. Ela não professa, ela é
religiosa.
Como
foi ter a casa pichada com as frases homofóbicas “Vamos matar os gays” e “Deus
abomina os gays”?
Sou
candidato a deputado estadual e quase desisti por causa disso. Sou
militante do movimento gay há dez anos. Foi a primeira vez que sofri uma ameaça
tão grave. Existe uma onda crescente do machismo, do conservadorismo, e da
violência contra os homossexuais. Amigos meus já foram assassinados ou sofreram
agressões porque eram ou são gays. Já frequentei muita delegacia por causa
desses casos, mas até então não tinha tido uma preocupação contra a minha
própria vida, o que ocorreu agora. Ouvi da polícia que eu só voltasse à
delegacia quando eu identificasse possíveis pessoas que fizeram a pichação
ameaçadora. Não acredito que tenha sido uma ação de evangélicos nem de meus
vizinhos, de minha comunidade, onde tenho boa reputação, e que é formada por
católicos, evangélicos…
De
dia você é a Mulher Maravilha, candidato a deputado estadual, em campanha, e de
noite o pai de santo?
Quando
eu era adolescente, antes de assumir que sou gay, eu sempre me identificava com
as heroínas. Quando comecei a assistir a Liga da Justiça, sempre me
identificava com a Mulher Maravilha, a defensora dos mais oprimidos, dos que
necessitavam de justiça. Não sou um Tiririca do Acre. Não nasci palhaço, não
toco minha vida vendendo humor. Eu me visto de Mulher Maravilha porque ela traz
a simbologia de defender as boas causas. Claro que isso cria um cenário que
leva alguns a pensarem que é um palhaçada, mas não é. E me fiz militante dos
direitos humanos. Então tenho a liberdade hoje em dia de poder estar de Mulher
Maravilha, independente das pessoas gostarem ou não. Gravei minha participação
de trinta segundos no programa eleitoral do PT e foram os trinta segundos mais
felizes de minha vida. Só na democracia isso é possível. É um direito que há
alguns anos ninguém tinha esse direito. Posso nem ser eleito, mas só a
liberdade de poder me vestir de Mulher Maravilha, sem ser licenciado dos
espaços, já é uma vitória.
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